Sobre descontos em pagamento à vista.
Por Danilo Cordeiro Maia*
Com os adventos da tecnologia mercantil, incorporaram-se variadas formas de pagamento das transações de produtos e dos serviços, popularizando-se o uso dos cartões de crédito como o principal e mais seguro meio de pagamento.
No entanto, por se tratar de uma transferência de crédito triangular (consumidor - operadora - fornecedor), na qual a administradora de cartão de crédito cobra diversas taxas e um percentual de remuneração que incide sobre o valor da operação, torna-se desinteressante para o fornecedor manter o mesmo preço e relação das demais formas de pagamento (dinheiro e cheque) que não contam com os citados abatimentos para vendas realizadas com cartão de crédito.
Desta forma, tornou-se prática comum do mercado o repasse aos consumidores de todos os custos oriundos da administradora do cartão de crédito que excedam os montantes do valor venal do produto. De forma parecida, e como forma de se incentivar o recebimento dos valores à vista, também são concedidos descontos para pagamento em dinheiro ou cheque.
Por tempos, esta questão permaneceu sem regulamentação ou decisão judicial definitiva, tendo em vista a dualidade da matéria. Discute-se a liberalidade da empresa em conceder os descontos nos pagamentos à vista e de acrescer o pagamento no cartão, frente à abusividade econômica que tal conduta comercial gera ao consumidor final. No entanto, tal discussão encontrou uma definição com a manifestação do STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.479.039.
De acordo com o voto do Ministro Relator Humberto Martins, qualquer diferenciação entre as formas de pagamento, seja dinheiro, cheque ou cartão de crédito, revela-se abusiva e encontra óbice diretamente no ordenamento jurídico, mais especificamente no Código de Defesa do Consumidor, que, no artigo 39 inciso V, expõe a impossibilidade da exigência de vantagem manifestamente excessiva frente ao consumidor e, no inciso X, onde se coloca a impropriedade da elevação injusta do preço de produtos ou serviços.
O princípio aplicado no caso é o da raiz basilar dos pagamentos. A administradora dos crediários assume a responsabilidade pelos possíveis riscos da assunção da dívida e repassa o pagamento do crédito referente à venda, decotando os encargos contratuais, caracterizando a transação em uma operação à vista.
Desta forma, se a raiz econômica dos pagamentos é a mesma, qual seja o pagamento à vista, qualquer diferenciação entre as formas de realizá-lo seria uma forma abusiva de obter vantagem sobre o consumidor que apenas conta com uma ou outra maneira de pagamento, seja ela o cartão, o dinheiro ou o cheque.
A mesma fundamentação também se aplica para vedar qualquer acréscimo no valor do produto ou serviço pago mediante cartão de crédito, uma vez que o repasse ao consumidor das tarifas e da remuneração cobrada pela operadora de cartão de crédito se mostra inadmissível por se tratar de uma relação estranha ao mesmo, além de transferir indevidamente ao consumidor os riscos e ônus da atividade econômica.
Essas afirmações tem ainda respaldo legal em outros instrumentos normativos, onde citamos o artigo 36 da Lei nº 12.529/2011, que expõe não ser possível discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio de fixação diferenciada de preços, bem como na Portaria nº 118/94, do Ministério da Fazenda, que logo em seu artigo 1º, elenca a impossibilidade de diferenciação de preços nas transações que se concretizem com o uso do cartão de crédito, frente às realizadas por meio de cheque ou dinheiro.
Importante ainda ressaltar que este entendimento baseia-se não na limitação da liberalidade da empresa de fornecer descontos em seus produtos, situação esta já permitida em nosso sistema normativo, mas sim na ausência de isonomia relativa ao fornecimento diferenciado de descontos para pagamento à vista (dinheiro ou cheque) frente aos pagamentos via cartão de crédito, entendido que apenas se diferenciam as formas de realização dos mesmos, mas não o recebimento pelo comerciante.
Presa-se aqui, portanto, não a ausência de descontos, mas sim a premissa de que, se for concedido o desconto, que seja para qualquer forma de pagamento disponível no momento da compra.
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